Recentemente a legislação de preços de transferência no Brasil passou por uma mudança significativa, migrando de um modelo de cálculo baseado em margens fixas, mais simples, prático, objetivo e um tanto injusto, baseado na Lei 9.430/96, para um modelo de acordo com as diretrizes da OCDE, que traz uma análise mais complexa e subjetiva, baseada em benchmarks de mercado, que tende a trazer mais justiça na análise. Essa mudança alinhou as regras de preços de transferência do Brasil, com as regras de preços de transferência das principais economias do mundo por meio da Lei 14.596/23 regulamentada pela IN 2.161/23.

Por conta desta grande mudança, trazemos aqui o detalhamento de como era o Método PIC com base na Lei 9.430/96 e como ficou o Método PIC com a implementação da nova Lei 14.596/23, regulamentada pela IN 2.161/23.

Método PIC - Lei 9.430/96

A legislação brasileira estabelecia quatro métodos de preços de transferência nas importações de bens, direitos e serviços de acordo com a Lei 9.430/96. Segue abaixo os métodos de importação:

Neste artigo, trataremos de falar especificamente do Método PIC ou Método dos Preços Independentes Comparados. 

De um forma resumida, podemos definir o método como a média aritmética ponderada dos preços de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares, apurados no mercado brasileiro ou de outro país, em operações de compra e venda empreendidas pela própria interessada ou por terceiros, em condições semelhantes.

Na prática, podemos dizer que é a comparação do preço praticado (valor real transacionado com pessoa vinculada ou com pessoa não vinculada em paraíso fiscal) com o preço parâmetro (valor transacionado entre partes independentes)

Transações admitidas

Para a aplicação prática do Método PIC é necessário que a empresa encontre transações que envolvam bens, direitos e serviços idênticos ou similares aos que a empresa importa de sua pessoa vinculada. São três operações admitidas:

  • Vendidos pela mesma empresa exportadora, a pessoas jurídicas não vinculadas, residentes ou não-residentes
  • Adquiridos pela mesma importadora, de pessoas jurídicas não vinculadas, residentes ou não-residentes
  • Em operações de compra e venda praticadas entre outras pessoas jurídicas não vinculadas, residentes ou não-residentes

Documentação

Sendo assim, para a comprovação dos preços de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares, a empresa precisa reunir a documentação das transações entre partes independentes, podendo ser dividida da seguinte forma:

PIC

Transação tipo 1: Itens vendidos pela mesma pessoa jurídica exportadora, a pessoas jurídicas não vinculadas, residentes ou não-residentes. 

  • Documento admitido: Invoices de venda no exterior

Transação tipo 2: Itens adquiridos pela mesma importadora, de pessoas jurídicas não vinculadas, residentes ou não-residentes

  • Documentos admitidos: Declaração de importação e Nota fiscal de entrada

Transação tipo 3: Em operações de compra e venda praticadas entre outras pessoas jurídicas não vinculadas, residentes ou não-residentes

  • Documentos admitidos: Invoices de compra ou venda no exterior ou Notas fiscais entre terceiros

Conceito de similaridade

Para efeito de definição são considerados bens, serviços ou direitos similares aqueles que:

  • Tiverem a mesma natureza e a mesma função
  • Puderem substituir-se mutuamente na função a que se destinem
  • Tiverem especificações equivalentes

Amostragem mínima 

As operações comparadas devem representar 5% do valor das operações de importação sujeitas ao controle de preços de transferência, no mesmo período de apuração e corresponder a preços independentes realizados no mesmo ano-calendário das operações. O percentual de 5% pode ser complementado com importações efetuadas no ano-calendário imediatamente anterior, ajustado pela variação cambial 

Método PIC - Na legislação

De acordo com a legislação brasileira, na IN 1312/2012, o método conta os seguintes artigos e incisos:

Art. 8º A determinação do custo de bens, serviços e direitos, adquiridos no exterior, dedutível na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, poderá ser efetuada pelo método dos Preços Independentes Comparados (PIC), definido como a média aritmética ponderada dos preços de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares, apurados no mercado brasileiro ou de outros países, em operações de compra e venda, empreendidas pela própria interessada ou por terceiros, em condições de pagamento semelhantes.

Parágrafo único. Pelo método de que trata o caput, os preços dos bens, serviços ou direitos, adquiridos no exterior, de uma pessoa jurídica vinculada, serão comparados com os preços de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares:

I - vendidos pela mesma pessoa jurídica exportadora, a pessoas jurídicas não vinculadas, residentes ou não-residentes;

II - adquiridos pela mesma importadora, de pessoas jurídicas não vinculadas, residentes ou não-residentes;

III - em operações de compra e venda praticadas entre terceiros não vinculados entre si, residentes ou não residentes.” (NR) (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1870, de 29 de janeiro de 2019)

Art. 9º Os valores dos bens, serviços ou direitos serão ajustados de forma a minimizar os efeitos provocados sobre os preços a serem comparados, por diferenças nas condições de negócio, de natureza física e de conteúdo.

§ 1º No caso de bens, serviços e direitos idênticos, somente será permitida a efetivação de ajustes relacionados com:

I - prazo para pagamento;

II - quantidades negociadas;

III - obrigação por garantia de funcionamento do bem ou da aplicabilidade do serviço ou direito;

IV - obrigação pela promoção, junto ao público, do bem, serviço ou direito, por meio de propaganda e publicidade;

V - obrigação pelos custos de fiscalização de qualidade, do padrão dos serviços e das condições de higiene

;VI - custos de intermediação, nas operações de compra e venda, praticadas pelas pessoas jurídicas não vinculadas, consideradas para efeito de comparação dos preços;

VII - acondicionamento; (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1458, de 18 de março de 2014)

VIII - frete e seguro; e (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1458, de 18 de março de 2014)

IX - custos de desembarque no porto, de transporte interno, de armazenagem e de desembaraço aduaneiro incluídos os impostos e taxas de importação, todos no mercado de destino do bem.   (Incluído(a) pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1458, de 18 de março de 2014)

§ 2º As diferenças nos prazos de pagamento serão ajustadas pelo valor dos juros correspondentes ao intervalo entre os prazos concedidos para o pagamento das obrigações sob análise, com base na taxa praticada pela própria pessoa jurídica fornecedora, quando comprovada a sua aplicação, consistentemente, em relação a todas as vendas a prazo.

§ 3º Na hipótese prevista no § 2º, não sendo comprovada a aplicação consistente de uma taxa, o ajuste será efetuado com base nas taxas previstas no art. 38-A. (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1322, de 16 de janeiro de 2013)

§ 4º Os ajustes em função de diferenças de quantidades negociadas serão efetuados com base em documentos de emissão da pessoa jurídica vendedora, que demonstrem a prática de preços menores quanto maiores as quantidades adquiridas por um mesmo comprador.

§ 5º O valor do ajuste de preço decorrente das garantias, a que se refere o inciso III do §1º, não poderá exceder o valor resultante da divisão do total dos gastos efetuados, no período de apuração anterior, pela quantidade de bens, serviços ou direitos, com garantia em vigor, no mercado nacional, durante o mesmo período.

§ 6º Na hipótese prevista no § 5º, se o bem, serviço ou direito ainda não houver sido vendido no Brasil, será admitido o custo, em moeda nacional, correspondente à mesma garantia, praticado em outro país.

§ 7º Nos ajustes em virtude do disposto nos incisos IV e V do § 1º, o preço do bem, serviço ou direito adquirido de uma pessoa jurídica vinculada, domiciliada no exterior, que suporte o ônus da promoção do bem, serviço ou direito no Brasil, poderá exceder o de outra que não suporte o mesmo ônus, até o montante despendido, por unidade do produto, pela pessoa jurídica exportadora, com a referida obrigação.

§ 8º Para efeito do disposto no § 7º, no caso de propaganda e publicidade que tenha por finalidade a promoção:

I - do nome ou da marca da pessoa jurídica, os gastos serão rateados para todos os bens, serviços ou direitos vendidos no Brasil, proporcionalizados em função das quantidades e respectivos valores de cada tipo de bem, serviço ou direito;

II - de um produto, o rateio será em função das quantidades deste.

§ 9º Os valores de transporte e seguro, cujo ônus tenha sido da pessoa jurídica importadora, os tributos não recuperáveis e os gastos com desembaraço aduaneiro poderão ser adicionados ao custo dos bens adquiridos no exterior desde que sejam, da mesma forma, considerados no preço praticado, para efeito de comparação.

§ 10. Quando forem utilizados dados de uma pessoa jurídica adquirente que houver suportado os encargos de intermediação na compra do bem, serviço ou direito, cujo preço for parâmetro para comparação com o praticado na operação de compra efetuada com uma pessoa jurídica vinculada, não sujeita a referido encargo, o preço do bem, serviço ou direito desta poderá exceder o daquela, até o montante correspondente a esse encargo.

§ 11. Para efeito de comparação, os preços dos bens, serviços e direitos serão, também, ajustados em função de diferenças de custo dos materiais utilizados no acondicionamento de cada um e do frete e seguro incidente em cada caso.

Art. 10. No caso de bens, serviços ou direitos similares, além dos ajustes previstos no art. 9º, os preços serão ajustados em função das diferenças de natureza física e de conteúdo, considerando, para tanto, os custos relativos à produção do bem, à execução do serviço ou à constituição do direito, exclusivamente nas partes que corresponderem às diferenças entre os modelos objeto da comparação.

Art.11. A partir de 1º de janeiro de 2013, as operações utilizadas, para fins de cálculo, devem:

I - representar, ao menos, 5% (cinco por cento) do valor das operações de importação sujeitas ao controle de preços de transferência, empreendidas pela pessoa jurídica, no período de apuração, quanto ao tipo de bem, direito ou serviço importado, na hipótese em que os dados utilizados para fins de cálculo digam respeito às suas próprias operações; e

II - corresponder a preços independentes realizados no mesmo ano-calendário das respectivas operações de importações sujeitas ao controle de preços de transferência.

§ 1º Na hipótese prevista no inciso I do caput, não havendo operações que representem 5% (cinco por cento) do valor das importações sujeitas ao controle de preços de transferência no período de apuração, o percentual poderá ser complementado com as importações efetuadas no ano-calendário imediatamente anterior, ajustado pela variação cambial do período.

§ 2º Na hipótese prevista no inciso II do caput, não havendo preço independente no ano-calendário da importação, poderá ser utilizado preço independente relativo à operação efetuada no ano-calendário imediatamente anterior ao da importação, ajustado pela variação cambial do período.

§ 3º Nos ajustes em virtude de variação cambial, os preços a serem utilizados como parâmetros para comparação, quando decorrentes de operações efetuadas em países cuja moeda não tenha cotação em moeda nacional, serão, inicialmente, convertidos em dólares dos Estados Unidos da América e, depois, para reais, tomando-se por base as respectivas taxas de câmbio praticadas na data de cada operação.

§ 4º Para o ajuste do preço parâmetro pela variação cambial do período de que trata o § 2º, aplica-se a seguinte fórmula:

PIA = PI x VC

VC = TOP/TOI

TOP = OPR/OPD

TOI = OIR/OID

em que:

PIA = Preço Independente Ajustado no ano calendário imediatamente anterior;

PI = Preço Independente no ano calendário imediatamente anterior;

VC = Variação Cambial do período; TOP = Taxa média das Operações Praticadas no ano-calendário;

TOI = Taxa média das Operações Independentes no ano-calendário anterior;

OPR = Operações Praticadas em Reais no ano-calendário;

OPD = Operações Praticadas em Dólares no ano-calendário;

OIR = Operações Independentes em Reais no ano-calendário imediatamente anterior;

OID = Operações Independentes em Dólares no ano-calendário imediatamente anterior.    

Novo Método PIC - Lei 14.596/23

O novo método PIC consiste em comparar o preço ou o valor da contraprestação da transação controlada com os preços ou os valores das contraprestações de transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas. 

A confiabilidade do método PIC geralmente está condicionada a uma similaridade significativa entre as características economicamente relevantes da transação comparável e as da transação controlada, visto que eventuais diferenças podem ter impacto material sobre o preço das transações, especialmente no que se refere às características dos bens e serviços objeto da transação.

São exemplos de fatores que podem ser particularmente relevantes na aplicação desse método:

I - características dos bens e serviços e sua qualidade;

II - termos contratuais, incluindo termos de entrega, volume negociado e condições de amortização ou liquidação antecipada de dívida e opções contratuais;

III - o nível do mercado (varejo ou atacado);

IV - data e a hora das transações, em especial no caso de commodities; e

V - diferenças de preço nos mercados geográficos.

Para avaliar se as transações controladas e não controladas são comparáveis, deve ser considerado também o efeito sobre o preço de funções desempenhadas e não apenas a comparabilidade das características dos bens e serviços.

PIC para Commodities

De acordo com a nova lei de preços de transferência, quando houver informações confiáveis de preços independentes comparáveis para a commodity transacionada, incluídos os preços de cotação ou preços praticados com partes não relacionadas (comparáveis internos), o método PIC será considerado o mais apropriado para determinar o valor da commodity transferida na transação controlada, a menos que se possa estabelecer, de acordo com os fatos e as circunstâncias da transação e com os demais elementos referidos na seleção do método mais apropriado, incluídos as funções, os ativos e os riscos de cada entidade na cadeia de valor, que outro método seja aplicável de forma mais apropriada, com vistas a se observar o princípio arm's length.

Na prática, caso a empresa que transacione commodities, queira aplicar outro método, é necessário que se tenha um embasamento robusto para justificar essa troca, caso contrário, o risco de questionamento é altamente provável.

Conclusão

Conforme mencionado no texto, por conta da significativa mudança das legislação de preços de transferência, é importante olhar atentamente para as operações sujeitas as regras de transfer pricing, pois os impactos são altamente relevantes nas transações intercompany da companhia, podendo acarretar em ajustes significativos. Após a publicação da nova Lei 14.596/23 posteriormente regulamentada pela IN 2.161/23, temos um novo método PIC, que guarda semelhanças com o anterior, porém traz diferenças significativas em relação ao antigo PIC.

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Silvio Petrini
Silvio Petrini

Com mais de uma década de experiência na área de preços de transferência, tracei como objetivo criar uma comunidade para discussão, disseminação e desmistificação do tema de preços de transferência no Brasil. Através deste blog, trago com uma linguagem leve e didática, desde os principais conceitos, até assuntos mais complexos envolvendo o tema. Não deixe de se inscrever, curtir, comentar, sugerir e criticar. Vamos juntos criar a maior comunidade de TP no Brasil.

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